"A única proposta que tive foi do Génova"

Eduardo foi o mais destacado nome de Portugal no Mundial 2010 e as suas boas actuações na África do Sul valeram-lhe uma transferência para o Génova, de Itália. A história feliz de um guarda-redes que reconhece nunca ter sido "um talentoso, mas sim um trabalhador". E garante que nunca foi abordado por qualquer dos três grandes clubes portugueses.
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Os seus amigos dizem que para si a palavra desistir não existe. É assim?

É, não existe. Se me proponho a uma tarefa, atiro-me de corpo e alma. Não sei fazer nada pela metade e gosto muito pouco de coisas fáceis. Aliás, se fosse ao contrário, estava bem tramado. Na minha vida nunca nada foi fácil.

Começou no Mirandela uma carreira à partida destinada à mediania. Começou aí a vida difícil?

Sim, desde aí. O Mirandela é um clube pequeno, regional, do interior, mas foi lá que aprendi muito e percebi que iria ser esta a minha vida. Com 13 anos fui, primeiro, para o V. Guimarães e, depois, para o Sp. Braga.

Percebeu que a sua vida seria o futebol. E, dentro do futebol, quando percebeu que seria na baliza?

Que seria à baliza ainda percebi mais cedo. Desde miudinho, nos jogos com os meus irmãos, eu ia sempre para a baliza. Se me perguntar porquê, não tenho resposta. Ninguém me mandava, era natural. Foi um gosto que nasceu comigo.

Um gosto que demorou a ser conhecido. Até chegar aqui, foi uma travessia difícil?

No Sp. Braga penso que fui o único jogador que esteve sempre no projecto da equipa B. Nessa fase, sentia que precisava de mais. Trabalhava, trabalhava, trabalhava, mas a oportunidade não aparecia. Foi então que me cruzei com Carlos Carvalhal quando ele treinou a equipa principal. E quando, mais tarde, ele foi para o Beira-Mar e me convidou, tive aí a minha primeira oportunidade. Nessa altura pensei duas coisas - que, por um lado, muito dificilmente teria outra oportunidade, o futebol é assim; e que, por outro, se falhasse, por ali me ficaria. E não é muito difícil um guarda-redes falhar, porque raramente nos dão tempo para aprender e crescer. Quando chegam, têm logo de provar que valem a pena. Foi, portanto, com este estado de espírito que fui para o Beira-Mar.

Os tempos do Sp. Braga, então treinado por Jesualdo Ferreira, foram os de maior frustração?

Foi um tempo muito complicado. Precisava de outro tipo de desafio.

Mesmo estando na equipa B treinava-se com o plantel principal. Jesualdo Ferreira nunca lhe deu a entender que poderia chegar mais longe?

Com ou sem oportunidades o que importa é que hoje os meus objectivos estão a cumprir-se.

Quem o conhece bem e já o treinou é unânime: não sendo um supertalentoso atingiu este nível com uma dedicação exaustiva ao trabalho. Tem essa noção?

Tenho. Penso que esse elogio é verdadeiro. Eu sou mesmo assim. Adoro trabalhar. Estranho as pessoas que se esforçam pouco. O talento não basta. Eu não sou um talentoso, não nasci com carradas de talento, mas sou um trabalhador. E trabalho sempre nos limites. Percebi cedo que se queria chegar até aqui não teria outro remédio. Sofre-se, mas também há muito prazer em ir conseguindo melhorar e crescer por força do trabalho. Ao longo deste tempo houve quem me incentivasse muito e houve quem dissesse que nunca iria conseguir. Temos de saber lidar com as duas coisas. Cheguei à selecção nacional. Quem sabe se lá chegaria se, com mais talento, tivesse menos capacidade de lutar e de trabalhar.

Quem foram os que lhe disseram que nunca iria conseguir?

Lembro-me de um Portugal-Bósnia. Na véspera, alguma imprensa fez comentários menos bonitos a meu respeito, não sei com que intenção, porque não ajudavam a nada nem a ninguém. Nem a mim, nem aos outros guarda-redes, nem à selecção. Mas, pronto, nunca me impediram de me concentrar devidamente.

Quando foi a primeira vez que a ideia de chegar a titular da selecção lhe pareceu realizável?

No V. Setúbal, e foi Carlos Carvalhal quem me fez esse desafio e essa proposta. "Vamos trabalhar que chegas à selecção", disse- -me ele. Esse era o meu sonho, mas à medida que os dias foram passando, à medida que ia fazendo os jogos e que eles me corriam bem, passei a acreditar. Às tantas percebi que ia a caminho de deixar de ser um sonho.

O sonho cumpriu-se. Lembra-se como foi?

Lembro-me muito bem e fui festejar com os amigos. Quando vi o meu nome no lote dos seleccionados, só tive um pensamento - "vou agarrar isto com unhas e dentes". A minha chamada chegou numa fase muito difícil do apuramento, mas penso que respondi bem e a partir daí pensei que tinha chegado a minha altura.

Foi contestada a sua chegada. Muitos duvidaram de que tivesse qualidades, classe - como é costume dizer de um guarda-redes -, para representar Portugal.

Foi dita muita coisa tramada. Mas também ouvi muitos incentivos, senti esse calor do público, que foi sempre o mais importante. Sei que conquistei esse respeito e farei tudo para não o desmerecer nunca.

Mas também havia quem já tivesse alertado para a sua qualidade. Pinto da Costa e Jorge Jesus, por exemplo. Merecia ter chegado mais cedo à selecção?

Na altura desses elogios, tive a noção de que tinha de esperar. É importante saber esperar pela nossa vez. Soube esperar pela minha oportunidade e não conquistei o meu lugar passando por cima de ninguém. Esperei a minha hora, chegaria quando e se tivesse de chegar. Se tivesse chegado mais cedo, se calhar, não iria correr tão bem.

De entre todos os jogadores da equipa, foi muito provavelmente aquele que viveu de uma forma mais efusiva este Mundial...

Cada um daqueles momentos é único. E, portanto, fiz questão de desfrutar de cada um deles. Sempre com o sentido da responsabilidade, claro, mas a desfrutar o momento. Foram momentos muito felizes e de muito orgulho.

Nesses momentos, que nomes recordou?

O de Carlos Carvalhal, o de Jorge Vital, que me acompanhou desde miúdo, o do Conhé, que no V. Setúbal me ajudou a fazer uma grande época, e os dos meus amigos mais próximos. Os de sempre e não aqueles que apareceram já comigo na selecção.

Na selecção, de que nome se orgulha mais de ser sucessor?

De todos os que passaram por aquela selecção.

Com qual deles se identifica?

Não gosto de comparações, cada um jogou à sua maneira.

Na baliza, qual é o seu maior receio e a sua maior virtude?

Pontos fracos ou fortes? Deixo essa resposta para outros. Não gosto de me definir.

Temeu que o jogo com a Espanha tivesse de ir a penáltis?

Estava preparado para tudo. Mas durante o jogo pensa-se jogada a jogada. O que viesse viria. Um guarda-redes, durante um jogo, só pensa no que está a acontecer. Diria que é o jogador mais concentrado. Mal ouvi as vuvuzelas. Mas, já agora, deva dizer-se que incomodavam.

Pauleta costumava dizer que dentro do campo há dois lugares muito mais ingratos do que os outros - o do guarda-redes e o do avançado. Concorda?

Falo pelo do guarda-redes e sim, sem dúvida. A um guarda-redes nada se perdoa. É o primeiro a ser sacrificado pelo público. É o jogador que mais sente a ingratidão, é sempre o culpado, com ou sem responsabilidade. Sobretudo quando o golo que sofre dita o resultado. É pior ser guarda-redes do que avançado. O erro de uns até tem nome - frango. O falhanço de um avançado, pelo menos, não tem nome.

Foi dito várias vezes que esta selecção não herdou a qualidade de outras selecções portuguesas. Como é que o vosso grupo sentiu esta crítica?

Fazem-se sempre comparações e nem percebo bem porquê. Porque não apoiar cada selecção que temos? Era esta que estava a competir era esta que devia ser apoiada. Esta equipa chegou lá por direito próprio, porquê estar sempre a desdenhar do que é nosso?

Neste mundial houve alguns casos: Dani, Deco, Ronaldo... faltou liderança?

Não vou falar desses casos. Cheguei à selecção, cumpri o meu sonho, participei num Mundial de Futebol, outro sonho, e é desses sonhos que eu quero falar. É dessas coisas boas.

Mas quando, no final do jogo com a Espanha, Cristiano Ronaldo remeteu os jornalistas para Carlos Queiroz, Tiago disse aos jornalistas que, se o capitão não falava, ali estavam ele e outros para o fazer. Concorda com Tiago?

Concordo, penso que vencendo ou perdendo, o lema é um por todos e todos por um. Assume-se tudo. Mas também não acredito que o Cristiano não estivesse a sentir exactamente o mesmo que todo o grupo, ou seja, tristeza e frustração pela derrota com a Espanha.

Aquele golo foi seguramente o pior momento do Mundial. E a melhor recordação?

Curiosamente, não foram os sete golos à Coreia, mas sim o primeiro jogo, com a Costa do Marfim. Vi tantos mundiais pela televisão e de repente dei por mim lá, dentro de um. O que prova que quem quer mesmo muito consegue. Sou a prova disso.

Com a Espanha defendeu vários remates difíceis. Qual o pior?

Foram todos. Nesse jogo foram todos difíceis.

A bola era mesmo complicada?

Que bola horrível. Desde a textura ao peso. Não havia maneira de aderir às luvas, não mantinha a trajectória, uma desgraça.

"Portugal não teve ataque à altura do seu guarda-redes" foi escrito depois do jogo com a Espanha. Concorda?

Um por todos e todos por um.

Ao contrário de Queiroz e Cristiano Ronaldo, foi muito bem recebido pelos portugueses. Acha que passou a ser visto como o rosto desta selecção?

Não. Tentei dar o meu melhor, só isso. Por exemplo, na forma de cantar o hino - é a minha maneira de expressar o que sinto.

Quem o conhece bem diz também que o que diz é sempre aquilo que sente e que mostra. No futebol não é perigoso ser assim?

Seja ou não seja, sou exactamente isso.

A emigração sem antes passar por um dos grandes portugueses pode tornar-se uma desvantagem em termos de selecção?

Encaro este convite do Génova como encarei a primeira oportunidade que me foi dada - com a mesma alegria e determinação. Vou tornar-me melhor, vou aprender. Aliás, foi a única proposta concreta que me foi apresentada. Ninguém de outro clube me abordou e portanto aqui estou. É um grande desafio, mais uma etapa do meu trajecto, numa Liga muito competitiva. Vou trabalhar como sempre, de forma a ajudar o meu clube e continuar a merecer a confiança do seleccionador.

Não acha estranho ter escapado a um grande português?

Não surgiu a oportunidade. Cá segui o meu trajecto, com uma certeza: não me ofereço a ninguém. Gosto que me reconheçam valor, gosto de ter convites e propostas, mas nunca me ofereci nem oferecerei a ninguém.

Depois do Génova , gostaria que se seguisse qual Liga, inglesa, espanhola?

Penso que se há coisa que as pessoas sabem de mim é que sou esforçado, paciente e tenho confiança. Portanto, vou sem pressas. Agora desfruto desta nova fase da minha carreira. Estou no Génova, fui muito bem recebido, gosto muito do grupo e só tenho pena de que não tenha ao meu lado mais gente a falar português. Deve ser dos poucos clubes do mundo que não têm nem um brasileiro.

A sua carreira é, como disse, um percurso de paciência. Quais são os marcos?

Quatro: a primeira internacionalização, a vitória na Taça da Liga, primeiro jogo no Sp. Braga e a minha estreia na Superliga.

Na conquista da Taça da Liga defendeu três penáltis. Defender um penálti está para o guarda- -redes como um hole in one para o golfista. É o momento?

Quando é decisivo, sim. É quase como marcar um golo.

E o seu maior frango?

Há um de que não me esqueço - o do jogo com o Paris Saint- Germain, mais pelo que significou, o afastamento do Sp. Braga da Taça UEFA.

Quem foi o seu grande professor?

Na formação tive um que me ensinou muito, o Caldas. Mas todos eles me fizeram crescer um bocadinho. Sobretudo Carvalhal e Jorge Vital.

Qual é o ensinamento mais precioso para um guarda-redes?

Aprender a concentrar-se.

O que distingue um bom de um grande guarda-redes?

A paixão pela baliza. É preciso gostar muito de estar naquele lugar. Tudo o mais pode treinar-se - elasticidade, capacidade de elevação, concentração, posicionamento... mas a paixão pela baliza não. Ou se tem ou não.

Os seus amigos dizem que é a trabalhar que é mais feliz. É?

Acima de tudo sou muito feliz por gostar tanto do meu trabalho.

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